Planejamento de ações para a conservação da Caatinga: uma análise multi-dimensional e integrativa
Planejamento Sistemático da Conservação (PSC); Floresta Tropical Seca; Vertebrados; Plantas; Serviços Ecossistêmicos; Modelagem de distribuição de espécies (MDE); Filogenia; Atributos Funcionais; Metas de Conservação; Análise de Lacunas; Priorização Espacial; Zonation.
RESUMO EM PORTUGUÊS:
Em tempos incertos, marcados por rápidas mudanças que agravam as várias crises que hoje enfrentamos (p.ex. ambiental, sanitária, econômica, social), os cientistas precisam reunir e direcionar esforços para apresentar soluções práticas e efetivas que possam mitigar efeitos deletérios das ações humanas, as quais põem em risco a perpetuação da vida no planeta nas suas mais diversas manifestações. Como resposta à contínua perda de biodiversidade e aumento sem precedentes nas taxas de extinção de espécies, muitos têm se debruçado no exercício de propor estratégias de conservação in situ, dentre as quais se destaca o estabelecimento de áreas protegidas (APs). Alicerçada pelo Planejamento Sistemático da Conservação (PSC) e respaldada por metas acordadas em tratados inter-governamentais, como a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), esta estratégia tem sido cada vez mais defendida dentro de uma perspectiva holística, capaz de reunir distintos aspectos da natureza como alvos da conservação. Hoje, as múltiplas dimensões da biodiversidade e os serviços ecossistêmicos têm protagonizado as propostas de planejamento espacial para a expansão das APs. Em regiões biodiversas, mas ainda pouco conhecidas e severamente ameaçadas, como o bioma Caatinga, as lacunas de conhecimento sobre biodiversidade juntamente com as pressões antrópicas, conversão de habitats naturais e forte dependência das pessoas em relação aos recursos naturais e serviços advindos da natureza, figuram entre os principais desafios para a implementação da conservação. Assim, estratégias para subsidiar a conservação demandam hoje abordagens multi-dimensionais e integrativas. Com essa perspectiva, desenvolvemos esta tese em três capítulos no intuito de apresentar o estado da arte dos estudos de priorização espacial para a conservação e otimizar o uso dos dados disponíveis sobre distribuição de vertebrados terrestres, plantas e serviços ecossistêmicos na Caatinga para avaliar ações de conservação implementadas e/ou propostas para este bioma. Utilizando métodos de busca sistematizada na literatura, no primeiro capítulo sintetizamos os principais caminhos seguidos nos estudos de priorização espacial e definimos o escopo da abordagem que fundamentou o desenvolvimento desta tese. Através da abordagem do PSC, realizamos, a análise de lacunas para verificar a representação destes alvos de conservação na atual rede de APs e territórios indígenas (TIs) da Caatinga, bem como nas redes de áreas prioritárias propostas através do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), para expandir as APs neste bioma. Com o objetivo de melhorar o quadro atual de conservação da Caatinga, também fizemos análises de priorização espacial para identificar áreas que maximizam a representação das espécies (considerando seus diferentes perfis) e dos serviços ecossistêmicos em cenários que expandem a proteção atual para atender metas internacionais de conservação para 2020 e 2030. No segundo capítulo, focamos na análise dos vertebrados em uma perspectiva de alcance de metas de conservação com base na dimensão taxonômica da diversidade. Em geral, as APs e TIs, cobrindo 9,1% da Caatinga, representam em média 9,8% da distribuição das espécies, com 37 espécies não protegidas. Ao proteger 15,3-32,0% do bioma, as redes prioritárias conforme proposta do MMA podem aumentar a média atual para 15,2% -37,5% da distribuição das espécies, ainda resultando em espécies não protegidas. A solução que apresentamos representa em média 26,8-42,5% da distribuição das espécies, incluindo todo o conjunto de espécies analisado e efetivamente representando mais de 91% dos tetrápodes em maior risco. Custos de oportunidade deslocaram as prioridades para áreas menos afetadas pelas atividades humanas, reduzindo principalmente a representação de espécies ameaçadas. Ao direcionar a atenção para a conservação de plantas em suas dimensões taxonômicas, funcionais e filogenéticas, conjuntamente com serviços ecossistêmicos, observamos, no terceiro capítulo, que APs e TIs cobrem uma média de 16.9% da distribuição das espécies analisadas, além de uma média de 8.0% da distribuição dos serviços de regulação e 11.2% da distribuição dos serviços de suporte. Conforme as propostas do MMA e do CNCFlora, redes de áreas prioritárias cuja extensão territorial se aproxima da meta de proteger 30% do bioma podem melhorar essa representação, mas com o aumento do custo espacial. Com foco na conservação da flora ameaçada, a proposta do CNCFlora representa a menor média de distribuição das plantas analisadas do que as redes propostas pelo MMA, as quais incluíram diferentes alvos além das plantas. Com o objetivo de proteger 30% da Caatinga, nossas soluções representaram uma média acima de 60% da distribuição das espécies, aumentando até 85% a representação das plantas de maior risco. Consequentemente, estas soluções apresentam maior custo-benefício quanto à demanda de área quando comparadas com priorizações existentes. Todas as redes avaliadas representaram serviços ecossistêmicos de maneira homogênea, provavelmente devido à sua ampla distribuição na Caatinga. Na escala do bioma, a riqueza de espécies e as diversidades filogenética e funcional foram próximas do valor máximo (90-100%) em todas as redes analisadas. Na escala das unidades de planejamento (ca. 30km²), porém, nossas soluções concentraram as maiores médias destas métricas. Como observado no segundo capítulo, com foco nos vertebrados, a inclusão dos custos de oportunidade reduziu marginalmente a representação das espécies da flora nas áreas selecionadas. De modo geral, nossas soluções foram capazes de representar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. Concluímos, portanto, que o uso otimizado das informações disponíveis, através de uma abordagem que integre diferentes alvos da conservação, ajudam a apoiar o planejamento de conservação eficiente. Em uma região onde as pessoas dependem fortemente da natureza, melhorar os benefícios da conservação torna-se urgente. Nesse contexto, nossa abordagem multi-dimensional integrativa pode contribuir para apoiar estratégias mais pragmáticas e eficientes de conservação em outros biomas vulneráveis e pouco conhecidos, melhorando a proteção das espécies em todas as dimensões da sua biodiversidade, além da proteção dos serviços ecossistêmicos. |