A presente dissertação é uma reflexão crítica em torno das poéticas-políticas contemporâneas de autoria negra apresentadas nas edições das exposições das Bienais de São Paulo em torno do debate das relações étnico-raciais. Neste texto, as obras de arte, ou seja, as poéticas-políticas de autoria negra, são compreendidas em torno da noção de corpo-testemunha no sentido de que essas poéticas produzem depoimentos, argumentos ou indícios de uma experiência que, ao depor sobre o fenômeno vivido, a linguagem artística se manifesta como um testemunho do comprometimento do artista negro com o seu corpo, e, portanto, essas criações dão inteligibilidade às impressões coletivas sob o ponto de vista da experiência vivida por si (SOARES, 2020). Com intuito de dar inteligibilidade à reflexão crítica sobre o debate das relações étnico-raciais imbricadas no campo das Artes Visuais, a pesquisa analisa as poéticas-políticas de autoria negra apresentadas nas exposições da Bienal de São Paulo ao longo das primeiras duas décadas do século XXI, sob o conceito-chave radiografia epistêmica. Esse conceito-chave é inspirado no pensamento dos Racionais MC ́S no que toca às questões das relações étnico-raciais que atravessam a sua obra. Compreende-se que o pensamento do grupo em relação à problematização do racismo antinegritude se configura como base epistemológica para o entendimento das relações sociais. Promover a interlocução da produção artística visual de autoria negra com o pensamento crítico dos Racionais MC ́S em relação ao debate racial é lançar mão da proposição interpretativa de que a linguagem do sensível elaborada por sujeitos negros colabora para a construção de uma síntese epistêmica radiográfica crítica, que reflete as experiências sociais da realidade social brasileira e afrodiaspórica, que é mediada por relações sociais racializadas. Dessa maneira, acredita-se que essas criações artísticas de autoria negra radiografam e problematizam as relações sociais na contemporaneidade e, dessa forma, colaboram para o alargamento do debate público acerca das relações étnico-raciais para além dos espaços tradicionais dessa discussão.

Em suma, neste texto apresento três questões fundamentais para o desenvolvimento da reflexão. A saber: 1. Como o debate étnico-racial é apresentado nas exposições das Bienais a partir das poéticas-políticas de autoria negra brasileira e de outras diásporas? 2. De que maneira essas radiografias se expressam levando em conta o fato da discussão sobre raça e racismo ainda ser considerada tabu num país que se expressa por meio do mito da democracia racial? 3. Considerando que o racismo antinegritude é estrutural e estruturante na sociedade brasileira, é possível articular estratégias contra-epistemicidas no campo do sensível, considerando as táticas de racismo antinegritude permeadas no próprio seio das Artes Visuais? Dessa maneira, compreendo que as poéticas-políticas de autoria negra do campo das Artes Visuais contribuem para a elaboração de radiografias críticas auto-reveladas da negritude, produzindo narrativas e epistemes negras que colaboram para o entendimento sobre o campo dos estudos das relações étnicos-raciais.