A EMERGÊNCIA DOS MARCADORES DE ESPECIFICIDADE AÍ/LÁ NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: UMA PROPOSTA A PARTIR DA ANÁLISE E DESCRIÇÃO DE LÍNGUAS AFRICANAS NO ESPAÇO ATLÂNTICO
Marcadores de especificidade; Contato linguístico; Português Brasileiro; Línguas africanas.
Neste estudo, descrevo as propriedades sintáticas de aí e de lá como marcadores de especificidades (SpMs) na frase nominal (DP) do Português Brasileiro (PB) a partir dos pressupostos da teoria gerativa no modelo cartográfico (Giusti, 2002; Aboh, 2004; Laenzlinger, 2017). Busco explicar como esse fenômeno emerge do resultado do processo de contato linguístico no espaço Atlântico, fazendo uso da hipótese da competição e seleção (Mufwewe, 2001; Aboh, 2015). As questões centrais foram: 1) O que são SpMs?; 2) Por que aí e lá atuam como SpMs no PB?. Para tanto, realizei a revisão bibliográfica de: (i) a especificidade em línguas humanas, principalmente as línguas africanas que estiveram em contato com o português; (ii) fatores sócio-históricos da participação de diversos grupos sociais e linguísticos no Atlântico que envolvem a escravização e o colonialismo e foram fundamentais para a emergência de uma cultura crioula atlântica. Após levantamento, descrevi os SpMs no PB com base na literatura gerativista e analisei suas propriedades semânticas, pragmáticas e sintáticas, partindo do pressuposto de que esse é um fenômeno da interface. Quando o falante faz uso de aí ou de lá em um DP indefinido, expressa sua intenção pragmática em especificar um subconjunto ancorado no discurso. Discuto as propriedades pragmáticas e como esses marcadores são usados em contextos de especificidade referencial, de escopo e de leitura epistêmica. Os SpMs podem indicar leitura de tipo, com nomes massa, ou de grau, com nomes abstratos, podem coocorrer também com nomes nus, indicando uma leitura de tipo, e com pronomes indefinidos, mas, nesse último caso, a especificidade pode ser anulada. Em relação às propriedades sintáticas, argumento que aí e lá ocupam a posição de Topº, tendem a ser pós-nominais, exceto em contexto de relativa. Apresento representações arbóreas do DP com uso da especificidade e operações de move. Em seguida, discuto como o PB emerge em situação de contato, apresentando fatos sócio-históricos para delinear a ecologia de contato. Demonstro que as principais línguas africanas faladas no Brasil foram as línguas gbe, o iorubá e as línguas bantu. Nas línguas gbe e no iorubá, há SpMs pós-nominais que marcam especificidade e ocupam a posição de Topº. Nas línguas bantu, o aumento (ou pré-prefixo) atua como SpM e é sempre pré-nominal. Defendo a tese de que SpMs ocupam a posição de Topº, conforme ocorre nas línguas africanas analisadas, e emergiram no PB em contextos indefinidos porque são selecionados em um processo de competição de traços já que são relacionados à interface sintático-discursiva (Aboh, 2015). Sistematizo quatro argumentos para defesa dessa tese de ordens distintas: histórica, descritiva, teórica e comparativa. Demonstro que as formas de aí e de lá foram selecionadas por causa de suas propriedades sintático-discursivas dêiticas e que a emergência de SpMs, em contextos definidos, foi bloqueada por demonstrativos e por possessivos que eram mais competitivos em termos de interfaces.