PRISÃO IMPRESCINDÍVEL, PRESENÇA MATERNA SUBSTITUÍVEL? UMA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL ACERCA DA MATERNIDADE DE MULHERES QUE SOLICITAM PRISÃO DOMICILIAR
Prisão domiciliar; encarceramento feminino; maternidade; sistema de justiça.
A presente pesquisa propõe compreender a forma como a maternidade de mulheres que cometeram condutas criminalizadas enquanto estavam grávidas e/ou mães de menores de 12 anos, é percebida por atores do sistema de justiça quando as mesmas demandam prisão domiciliar com amparo na legislação referente à sua condição. Trata-se de uma análise documental que tem como corpus alguns processos judiciais movidos contra mulheres que foram presas na unidade prisional de Salvador, Bahia, no período de 2017 a 2019. Buscou-se, à luz de lentes conceituais advindas do feminismo negro e da teoria fundamentada em dados, observar como a referida maternidade é concebida pelas vozes jurídicas/judiciárias, considerando as manifestações de representantes da advocacia, pública ou privada, do Ministério Público e da magistratura baiana nos autos processuais. Observou-se quehá uma supervalorização da prisão domiciliar como medida alternativa à privação da liberdade,ainda que evidentes o seu caráter restritivo e a permanência dos impactos deletérios de qualquer tipo de prisão sobre a vida da mulher e de toda sua família. Não obstante, também foram observadas inúmeras resistências à concessão da medida, expressas em discursos punitivistas que, não raro, criam e justificam os diversos empecilhos à aplicação da lei expressamente prevista para casos como estes. Os resultados apontam tanto para uma invocação de noções de maternidade socialmente idealizadas, que encerram a mulher no ambiente doméstico e nos papéis de gênero tradicionais, quanto para abordagens que negam, a contrario sensu, a relevância da presença materna no convívio com a criança, associando este tipo específico de maternidade e de maternagem à situações de perigo e possibilidades de má influência para suas/seus próprias/os filhas/os. Em linhas gerais, a pesquisa evidenciou que as percepções dos diversos atores do sistema de justiça acerca da maternidade/maternagem de mulheres privadas de liberdade, notadamente das que lutam pelo direito fundamental ao convívio familiar e ao exercício do cuidado de seus/suas filhos/as, reproduzem estereótipos, preconceitos e seletividades típicas da sociedade em geral e legitimadas pelos sistemas de segurança pública e de justiça penal em nosso país, o que também contribui para a manutenção das desigualdades estruturais e estruturantes, fortemente alicerçadas em sistemas de opressão de caráter classista, racista, sexista e heteropatriarcal.