Agência feminina, terra e multissensorialidade: a mitopráxis Tikmũ’ũn no cinema
Tikmũ'ũn, maxakali, cinema indígena, agência, mulheres
Esta tese aborda a expressão das relações de gênero e, em específico, da agência das mulheres no
cinema do povo Tikmũ'ũn/Maxakali. Através da análise principalmente dos filmes "Yãmĩyhex: as
mulheres-espírito" (2018, 76') e "Nũhũ Yãgmũ Yõg Hãm: Esta Terra é Nossa!" (2020, 70'), o trabalho
busca compreender como a cosmologia e o complexo estético maxakali se fazem presente em seus
filmes. Ao dialogar com as metodologias de análise fílmica e etnografia fílmica, busca-se
compreender, nos filmes e por meio deles, a agência das mulheres indígenas como parte de um
conjunto de relações de alteridade no cotidiano/ritual deste povo, que envolve um outro grupo de
"Outros", os yãmĩyxop (povos-espíritos), com quem os Tikmũ'ũn/Maxakali mantém uma relação
ancestral. A tese está dividida em sete capítulos. O primeiro introduz o povo maxakali de acordo com
seus mitos de origem e sua história recente, apresentando também a cineasta Sueli Maxakali
(co-diretora dos filmes mencionados); o segundo capítulo é um comentário geral sobre o cinema
indígena como expressão das dimensões cosmológicas dos povos indígenas através da influência do
“fora-de-campo”, em sua indicialidade sobre o campo, nos filmes; o terceiro é especificamente sobre
o cinema maxakali e sua conexão com o conceito de imagem (koxuk) que na linguagem maxakali
significa, entre outros sentidos, "alma" e "imagem". O quarto capítulo é uma análise do filme
Yãmĩyhex: as mulheres-espírito e faz uma abordagem de gênero de elementos como a fluência entre
ritual e cotidiano, doméstico e público na socialidade maxakali, a importância da comensalidade e do
xamanismo feminino entre os maxakali e como eles transbordam para a tessitura fílmica. No quinto
capítulo, fazemos uma análise do filme Nũhũ Yãgmũ Yõg Hãm: Esta Terra é Nossa!, no qual
encontramos uma expressão da vinculação entre cantos rituais, relação com o território e construção
de pessoa entre os maxakali; também conectamos o mito de origem maxakali de "Putõõy" (da mulher
que nasceu de uma vagina esculpida no barro) a esses outros aspectos, o que nos leva a vislumbrar
uma cosmopolítica da terra no filme. O sexto capítulo trata dos elementos sensoriais no cinema
maxakali, em que analiso como a visualidade nos filmes está conectada com a sonoridade e uma
sensorialidade tátil, expressando no cinema Tikmũ'ũn a dinâmica multissensorial da cosmologia
Tikmũ’ũn. E, por fim, no capítulo final, partimos para uma reflexão no âmbitos dos estudos
feministas, inspiradas pela forma como os corpos e a "natureza" atravessam os filmes, e propomos
rever uma separação, na teoria feminista, entre natureza e cultura enquando fundante das reflexões
sobre gênero; apontamos, então, para uma teoria feminista que se situe em diálogo com o pensamento
ameríndio e indígena da América Latina. Esta teoria está sendo tecida por mulheres indígenas - com
sua arte, reflexões políticas e acadêmicas - e possui bases epistemológicas que dialogam com a
antropologia feminista inspirada na virada ontológica desta ciência nas últimas décadas. Com o
cinema lançado em meio às dinâmicas da socialidade Tikmũ'ũn, a tessitura fílmica é tocada pelos
encontros que ocorrem no cosmos Tikmũ'ũn, pelas relações com os yãmĩyxop e por uma percepção da
terra como central para a consubstancialidade da pessoa Tikmũ'ũn. O cinema Tikmũ'ũn/Maxakali
expressa assim uma mitopráxis que integra o cotidiano e rituais Tikmũ'ũn, envolve uma série de atos
cuidadosos construtores e mantenedores da pessoa e coletividade Tikmũ'ũn/Maxakali, que são
protagonizados também pelas mulheres.