Cenas transviadas: performances, investimentos afetivos e vídeos musicais em rede.
cena transviada; performance; afetos; vídeos musicais; redes sociais digitais
Esta tese se propõe analisar o fenômeno cultural brasileiro no qual pessoas dissidentes das normas de sexo e gênero (RIVAS, 2011; COLLING, 2019) tem se espacializado naquilo que estou chamando de cenas musicais transviadas. Como um gesto teórico-analítico para compreender suas condições de possibilidade, cenas transviadas tensionam as convenções em torno de gêneros, sexualidades, raça, etnia, classe, território, e articula torsões e fricções do corpo às reinvenções que atravessam o audiovisual contemporâneo e às nossas experiências, quando habitamos os espaços urbanos e as ambiências digitais de modo conectado. Centrado na incorporação de feminilidades, seus trânsitos e rasuras, assumo o transviado, nos termos de Bento (2016; 2017), como agir no mundo contra violências sistêmicas imputadas ao que a autora chama de feminino abjeto. Diante dessa perspectiva, parto do pressuposto de que o audiovisual contemporâneo, que marca fortemente essa cena, é tecido pelo cruzamento de expressões comunicacionais, sujeitos e plataformas em diversas dinâmicas de produção, circulação e de consumo que ocorrem em fluxos (GUTMANN, 2021). A partir de um quadro teórico que articula estudos feministas, estudos queer, estudos culturais e da comunicação, além de algumas perspectivas filosóficas e decoloniais, proponho o desenho de um rizoma, trama de nós heterogêneos (DELEUZE; GUATTARI, 2010; 2011), para analisar como as resistências às hierarquias e normas do gênero, vistas enquanto performances de desidentificação (MUÑOZ, 1999), revelam a formação de comunidades em que participantes criam novos sentidos para suas identidades e ressignificam valores sociais e comunitários. Tal movimento ocorre a partir de quatro platôs/vetores: o primeiro, o disparo matricial na figura da cantora travesti Linn da Quebrada; e os segundos platôs, que abrem uma série de questões sobre gênero e sexualidade no contexto brasileiro, são analisados a partir de três vídeos musicais da artista: Enviadescer, Bixa Preta e Blasfêmea. De modo rizomático, a análise empírica conecta Linn da Quebrada e suas obras a uma trama de outras sujeitas que, em rede, exibem a formação de cenas como espaços e comunidades relacionais. Nesse sentido, artistas e fãs ritualizam práticas e socializam gostos, estilos, identidades em complexas dinâmicas de produção e consumo, ressignificando coletividades e cidadanias. Por fim, observa os modos pelos quais investimos nossos desejos, prazeres e pertencimentos através da música e do audiovisual, e assume que investimentos afetivos e engajamentos identitários (GROSSBERG, 1997; 2010; 2018, GOMES; ANTUNES, 2019), mapeados em torno dos audiovisuais em rede, respondem a dadas condições de possibilidade histórica.