ENTRE SERTANEJOS E SERTANEJOS: POLÍTICA AGRÍCOLA E DESIGUALDADE NO TERRITÓRIO DO SERTÃO DO
SÃO FRANCISCO
Desigualdade, políticas agrícolas, classes sociais, agricultura familiar, agronegócio.
O debate da desigualdade no Brasil reacendeu na última década, a partir dos estudos que replicam o modelo de análise de Piketty (2014), indicando que, diferente do que vinha sendo apontado, a desigualdade não seguiu o mesmo ritmo de redução da pobreza. A partir de um viés analítico que evidencia o caráter de classes da sociedade, com Poulantzas e Gramsci como principais referências teóricas, a desigualdade é estudada em um recorte subnacional, enfocando o governo estadual, ente menos privilegiado nos estudos de políticas públicas. O
objetivo desta pesquisa é analisar, no que tange à questão da desigualdade, o papel das políticas agrícolas voltadas para produtores da agricultura familiar e do agronegócio do polo fruticultor irrigado do Território de Identidade do Sertão do São Francisco, nos três primeiros governos do PT na Bahia (2007-2018). Esta tese defende a hipótese de que, embora a implantação das políticas para agricultores familiares, em conjunto a outras políticas sociais, tenha proporcionado uma melhora na qualidade de vida destes produtores, elas não foram suficientes para a promoção da redução da desigualdade, frente às vantagens obtidas pelos fruticultores,
asseguradas pelas políticas destinadas ao agronegócio. A metodologia da pesquisa apresenta abordagem predominantemente qualitativa, embora também utilize técnicas quantitativas.Como fontes, são usados dados secundários quantitativos abertos, disponíveis em sites e bases de dados, e outros cedidos por entrevistados da pesquisa, submetidos à análise estatística descritiva, bem como documentos oficiais e entrevistas semiestruturadas realizadas com atores públicos e privados relevantes para as políticas agrícolas no estado e, em especial, no Sertão do São Francisco, que passaram por técnicas de análise de conteúdo. Como resultado, encontramos que, embora o território tenha reduzido a pobreza, atrelada principalmente aos programas federais de transferência de renda, a desigualdade não foi reduzida em suas dimensões de riqueza e renda. Quanto à primeira, as políticas de regularização fundiária contemplam títulos de terra com áreas que não permitem sequer a subsistência nesta região, bem como o entrave legal na regulação dos Fundos de Pasto têm vulnerabilizado estas comunidades e gerado situações de conflito. Tal concentração fundiária atua ainda como facilitadora para a exploração da mão-de-obra para o agronegócio fruticultor. Quanto à renda, as políticas públicas de assistência técnica e desenvolvimento rural para agricultores familiares se mostraram limitadas pela restrita população que alcançam, além do programa de maior rubrica atingir grupos previamente organizados produtivamente. Diante desse quadro, a entrada da agricultura familiar na agenda do governo, ainda que contando com o aporte financeiro mais robusto, ao lado das políticas para o agronegócio voltadas para a articulação política, permitiram a manutenção da hegemonia das classes dominantes, sem interferir na estrutura que concentra renda e riqueza.