O uso da voz no Candomblé: um estudo autoetnográfico
Voz, Distúrbios da voz, Religião e Ciência
Introdução: o uso da voz por religiosos tem sido estudado por fonoaudiólogos, embora ainda de modo incipiente. Particularmente no Candomblé, a situação se agrava com um único estudo recentemente publicado. Objetivo: problematizar o uso da voz dos candomblecistas durante uma cerimônia pública. Metodologia: estudo qualitativo, do tipo autoetnografia, retrospectivo, acerca do uso de voz por parte dos alagbês durante uma cerimônia pública do Candomblé no Ilê Axé Odé Yeye Ibomin. Foi realizada autoetnografia a partir de dados mneumônicos da autora principal sobre os rituais candomblecistas. Resultados: os alagbês utilizam a voz de modo intenso e contínuo, em cerimônias que podem durar de 4 a 12 horas. Essa celebração costuma ser dividida em dois momentos distintos (xirê e rum dos orixás). Muitas vezes, os alagbês não fazem hidratação sistêmica adequada, realizam esforço vocal associado ao físico, visto que também tocam os atabaques de modo simultâneo (fator esse que aumenta a demanda vocal). O volume desses instrumentos precisa também ser superado, o que leva o ogã puxador dos cânticos a usar uma intensidade vocal ainda mais elevada, para que possa ser ouvido por todos os presentes. Esses comportamentos, tão necessários ao desempenho dessa religiosidade, são considerados deletérios para a voz, segundo a literatura científica. Conclusão: diante dos resultados do uso intenso da voz nos rituais candomblecistas, caracterizando a população como vocalmente dependente, cabe à Fonoaudiologia elaborar formas de apoiar a saúde vocal das pessoas de candomblé, sem com isso descaracterizar os fundamentos ancestrais da religiosidade.