A TRAVESSIA (AUTO)ETNOGRÁFICA DE PROFESSORAS NEGRAS E UMA PROFESSORA BRANCA DE LÍNGUA INGLESA PELOS MARES DA MODERNIDADE/(DE)COLONIALIDADE
(De)colonialidade; racismo/branquitude; educação linguística antirracista; professoras negras e uma professora branca de língua inglesa; (auto)etnografia.
Considerando que o racismo é estruturante do sistema-mundo, torna-se premente que professoras/es de todas as raças problematizem a modernidade/colonialidade. Enquanto professora branca em um Curso de Letras-Inglês, reconheci que não contemplava a Lei n.º 10.639/03, e que minha inércia diante das relações étnico-raciais perpetuava o racismo em minha prática docente. Esse reconhecimento motivou a presente pesquisa de doutorado, situada na Linguística Aplicada (LA), cujo objetivo foi compreender como as experiências de professoras negras de LI na modernidade/colonialidade afetam meu olhar e minha práxis enquanto professora branca. Busquei: (1) refletir sobre como o entendimento das professoras negras sobre relações étnico-raciais repercute em seu fazer docente e como isso desloca minha práxis; (2) discutir se e como a colonialidade atravessa as experiências das professoras negras, e como isso ecoa em mim; (3) desvelar se as professoras têm estratégias de resistência, quais são, como são acionadas, quais seus efeitos e como isso me impacta enquanto professora branca; e (4) entender como se dão as semelhanças e diferenças entre nossas experiências e suas consequências nas nossas trajetórias pessoais, acadêmicas e profissionais. Os referenciais teóricos articularam perspectivas decoloniais (Baptista, 2019, 2021; Fanon, 2008; Grosfoguel, 2020; Kilomba, 2019; Maldonado-Torres, 2016a; Mignolo, 2018), afrodiaspóricas (Gonzalez, 2020; Nascimento, 2019; Ribeiro, 2019), estudos da branquitude (Bento, 2022; DiAngelo, 2018; Frankenberg, 1993; Ramos, 1957; Schucman, 2020), LA Crítica (Pennycook, 2021; Pennycook, Makoni, 2020); e letramento (racial) crítico (Ferreira, 2019; Menezes de Souza, 2011). A pesquisa, que contou com cinco professoras de LI (quatro negras e uma branca, esta pesquisadora), caracteriza-se como qualitativa/interpretativista do tipo narrativa (Bruner, 1986, 1990) e (auto)etnográfica (Erickson, 2018; Adams, Jones, Ellis, 2022). Foram mobilizados formulário, entrevistas, narrativas autobiográficas, questionário e diário de bordo. Os resultados desvelaram uma sistemática colonialidade que atravessa a vida pessoal, acadêmica e profissional das professoras negras, variando de retaliações explícitas a mecanismos sutis de silenciamento e desvalorização. Embora o negro seja constituído como alteridade, somos nós, brancos, que devemos examinar nossa psique com uma falaciosa superioridade introjetada, que dificilmente admitimos. Algumas das estratégias de resistência à colonialidade envolvem a valorização do corpo, marcação do lócus de enunciação, questionamento, problematização, denúncia, exigência de retratação etc. Os efeitos em suas vidas pessoais poderiam ser mais amplos se nós brancos nos engajássemos coletivamente diante das injustiças raciais e cognitivas. Na docência, por meio de práticas críticas multiletradas, enfatizando o corpo e a arte, os resultados foram visíveis nos alunos das professoras, pois começaram pela estética e se estenderam para a construção de conhecimento. Enquanto professora branca, reconheci meus privilégios e um ensimesmamento que me privou, no passado, de conhecer epistemologias outras. Tenho buscado privilegiar a pluriversalidade e relações étnico-raciais em diferentes disciplinas, marcando meu lócus de enunciação e aprendendo com meus alunos. O processo de tomada de consciência da branquitude e/ou racismo mostrou-se doloroso, já que tive que enfrentar o meu eu não ideal. Como diz Kilomba (2019), configura-se mais como um processo psíquico do que moral. Pode ser libertador e a educação linguística antirracista (em LI) agradece.