PRÁTICAS DE LINGUAGEM E PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA:
ACESSO E LEGITIMAÇÃO EM UMA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA RURAL
práticas de linguagem; associação comunitária; acesso; legitimação;
democracia participativa.
Em uma concepção de democracia que não se restringe às ações das instituições e do sistema
político do Estado de direito, mas que se concretiza também no conjunto da sociedade, por
meio de valores e relações sociais fundamentados em bases mais igualitárias, as associações
comunitárias, enquanto uma das formas de organização da sociedade civil, constituem uma
importante expressão da ação democrática e, portanto, um espaço fundamental de participação
social e política (Lüchmann 2016; Fung, 2003; Warren, 2001). Atuando mais diretamente na
realidade local, esse tipo de associação normalmente reúne pessoas que lutam pelo bem
comum de uma comunidade e pela defesa dos interesses coletivos junto ao poder público.
Uma efetiva participação democrática nessas organizações sociais implica, no entanto,
igualdade de acesso a determinadas práticas de linguagem e a formas específicas de
legitimação de pessoas e de seus discursos. Levando isso em consideração, esta tese apresenta
os resultados de uma pesquisa etnográfica, cujo principal objetivo foi analisar as relações
entre práticas de linguagem e participação democrática no âmbito de uma organização da
sociedade civil, a Associação Comunitária de Lagoa da Torre, entidade sediada na zona rural
de São Domingos, um dos municípios do Território do Sisal, no estado da Bahia. Adotando
uma perspectiva indisciplinar (Moita Lopes, 2006), na qual as Ciências Sociais têm lugar de
destaque; e situando-se na esfera da Linguística Aplicada Crítica (Pennycook, 2006, 2021),
neste trabalho são descritos os padrões de acesso às práticas de linguagem da associação,
identificadas as estratégias de legitimação linguística, interacional e discursiva adotadas pelos
líderes da associação nessas práticas e analisadas as implicações que esses padrões e
estratégias geram para o processo de implementação e fortalecimento de uma efetiva
democracia participativa. Para isso, vale-se da etnografia enquanto método (Atkinson;
Hammersley, 2007; Duranti, 1997; Blommaert; Dong, 2010) e mobiliza-se uma série de
noções e construtos teórico-analíticos de grande relevância para os estudos situados da
linguagem, entre os quais os de acesso (Dijk, 2012), legitimidade (Charaudeau, 2009; Weber,
1994) e voz (Blommaert, 2005; Hymes 1996), além de conceitos e ferramentas como
reflexividade, escalas, ordens de indexicalidade e policentricidade (Blommaert, 2010; Lucy,
1993, 2001; Signorini; 2006, 2008; Silverstein, 1993, 2003). Considerando a lingua(gem)
como uma forma de ação social situada, as análises desenvolvidas nesta tese apontam para o
importante papel que a linguagem tem na (re)produção de desigualdades sociais e na
construção e manutenção de obstáculos para a consolidação de uma sociedade efetivamente
democrática.