O DECLÍNIO DO ESPÓLIO Razão, sofrimento e moralidade em Arthur Schopenhauer e Fiódor Dostoiévski
Schopenhauer. Dostoiévski. Razão. Sofrimento. Moralidade.
O presente trabalho determina-se como um diálogo entre filosofia e literatura por meio da articulação do pensamento de Arthur Schopenhauer (1788-1860) e da obra madura de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), tendo em vista explorar as relações visíveis a partir das quais é possível amparar a tese de que a filosofia de um e a literatura do outro alumiam-se mutuamente e, mesmo, apresentam um aspecto de complementaridade. Nesse intento de interpretar em que medida o mundo literário dostoievskiano expressa-se em termos schopenhauerianos, as noções de razão, sofrimento e moralidade inscrevem-se numa posição de centro. No conceito e na imagem, recusa-se duplamente o ideal de uma história teleológica, reconduzindo a racionalidade ao encontro da finitude. É o retorno ao problema do sofrimento, que não diz respeito a uma etapa a ser superada dialeticamente pelo progresso político e moral da humanidade, mas à dimensão constitutiva do ser humano. Significa apreciá-lo conforme seus abismos: na irracionalidade de seu querer, no mal instaurado positivamente por seu egoísmo colossal inscrito no seio de uma natureza muda; mas, também, no milagre da bondade que se constitui como ação moral, fundada no sentimento da compaixão a expressar a intuição da gratuidade da dor universal. Proponho a interpretação de que esses autores compõem um campo dialógico que representa uma resposta aos problemas ético-existenciais advindos do otimismo próprio ao racionalismo e ao positivismo cientificista à época. Não se trata, portanto, de afirmar pretensamente uma relação de influência, cuja pressuposição é a existência de um Dostoiévski filósofo que faz de sua literatura o instrumento de realização de uma filosofia oculta devedora da obra de Schopenhauer. O que se pretende é, antes, sinalizar que as imagens produzidas pela prosa madura do escritor moscovita conduzem a conteúdos elaborados conceitualmente pelo autor de O mundo como vontade e representação, iluminando-os não por uma simples e notável coincidência, mas pelo fato de que ambos tomam parte de um mesmo mal-estar.