Renderização da vida: A expressão narrativo-dramático-simbólica do luto por meio do uso da imagem em práticas comunicacionais estabelecidas em ambientes digitais
memória cultural, estudos da imagem, semiótica, antropotanatologia
Como desdobramento de uma pesquisa de mestrado que investigava a morte e suas múltiplas existências, esta tese propõe um estudo sobre o luto e a performatividade nas redes sociais por meio da imagem. A partir dos conceitos de memória de Assmann (2011), busca-se compreender como os processos de ritualização póstuma mediados por plataformas digitais podem afetar a memória cultural, esvaziando ou reenquadrando legados. A pergunta central que orienta a pesquisa é: como aparece a imagem de uma pessoa falecida nas redes sociais? Como alguém que já morreu, que vive ou que não morre? Para explorar essa questão, foram analisados os perfis póstumos de Raul Seixas, Augusto Liberato e Reginaldo Rossi, escolhidos pela relevância na cultura popular brasileira, evidenciada pelo número de seguidores e pelas métricas de engajamento. Essa escolha é importante, pois nem todo artista ovacionado em vida consegue manter presença significativa nas redes após a morte. A partir do universo desses três perfis, observou-se como a curadoria das contas memoriais produz aparições dos falecidos que mantêm coerência com seus respectivos legados. Para essa análise, foram mobilizados os estudos de Ferrara (2008) e Lotman (1999), que permitiram pensar a produção de semioses e os processos de transcodificação de sentidos em diferentes semiosferas. Também se acionaram os estudos de Latour (2012) para sustentar a ideia de que o perfil, mesmo emergindo da morte, agencia afetos com potência de humanidade. Verificou-se que a produção de sentido nessas evocações gera um movimento espiralado: parte da memória (fotografia, rastro memorial), é reeditada e retorna a ela, ressignificando-a em um processo contínuo de retroalimentação. Para aprofundar essa dinâmica, foram utilizados os estudos de Warburg (1932) e Didi-Huberman (2013), demonstrando que certas imagens são escolhidas pela curadoria para sobreviverem como repetições ordinárias e cotidianas, próprias da imagem algorítmica descrita por Borges Júnior (2020). Essas imagens se inserem em múltiplas narrativas ao longo dos anos, produzindo discursos diversos e fazendo emergir um “duplo”, nos moldes de Debray (1993), com novas agências e traduções da memória. Por fim, considera-se que nos ambientes digitais a morte pode parecer suspensa por uma impressão de perpetuidade, performada pelo simulacro (Baudrillard, 1991), que, pela repetição esvaziada de sentido, se amalgama à trend, à tag, ao novo — tornando-se algo que nunca foi, fazendo algo que nunca fez, não apenas como fantasma, mas como entidade perpétua.