ALFABETIZAÇÃO EM CONTEXTO DE RACISMO: ESCREVIVÊNCIAS DE "UMA MENINA QUE AMAVA E NÃO GOSTAVA DO CABELO DELA"
Racismo. Alfabetização. Dificuldade de escolarização.
Dados atuais do PNAID (2023) indicam que as taxas de analfabetismo, na faixa etária de 15 anos ou mais, são maiores entre pessoas pretas e pardas. Segundo o INEP (2024), há também uma taxa de distorção idade-série maior entre estudantes pretos ou pardos, comparadas aos estudantes brancos nos anos iniciais. Os dados são alarmantes e despertaram interesse para a realização dessa pesquisa de doutorado, que tem como objetivo geral compreender o processo de alfabetização de uma menina negra, em situação de pobreza e distorção idade-ano, moradora de uma região administrativa do Distrito Federal, em um contexto marcado pelo racismo, considerando seus movimentos de reexistência e as intervenções escolares que movimentaram sua história escolar. Os objetivos específicos consistiram: em analisar as situações de racismo e preconceitos de classe e gênero vivenciadas pela estudante em seu processo de alfabetização, à luz dos discursos do corpo técnico da escola (professores, gestores, coordenadores entre outros), rede de apoio, familiares e da própria estudante; compreender os modos de enfrentamento e reexistência presentes na história escolar da estudante diante das situações vivenciadas de racismo e preconceitos de classe e gênero; identificar e analisar as intervenções escolares que contribuíram para mudanças em sua trajetória escolar e em seu processo de alfabetização. Trata-se de uma pesquisa intervenção, envolvendo o caso de uma menina. A construção da pesquisa de campo se organizou a partir de três caminhos: pesquisa documental; entrevista semiestruturada com as profissionais da escola, rede de apoio e familiares; e produções autoenunciativas com a estudante. Para pensar esse vasto campo discursivo, nos inspiramos na concepção enunciativa discursiva, dialogamos com autoras(es) que discutem educação antirracista, relações étnico-raciais, alfabetização em uma perspectiva discursiva e libertadora e medicalização. O material produzido a partir da pesquisa apontou para situações de racismo, preconceito de classe e gênero vivenciadas pela estudante ao longo da sua escolarização com base no estereótipo sobre pessoas negras e pobres. A intervenção no caso, feita em equipe, por meio de escuta sensível e mudanças de olhar para a estudante, mediações mais dialógicas em situações de conflito, organização de um trabalho pedagógico consistente e intervenções diversificadas comprometidas com a sua aprendizagem, mediações de produções textuais autorais, utilização de literatura, vídeos e imagem como representatividade e o laço de amizade com uma outra estudante foram importantes para que fosse alfabetizada. Intervenções coletivas permitiram criar estratégias diferenciadas que possibilitaram a estudante aprender, considerando as muitas formas dela dizer sobre o que lhe acontecia. Ao longo da sua história escolar, ela xingou, denunciou, escreveu sobre os incômodos e mostrou as contradições que vive, marcadas historicamente por um contexto de racismo. Esta pesquisa destaca a importância de desmedicalizar as dificuldades de escolarização, e, especificamente, os processos de alfabetização, considerando os atravessamentos de raça, gênero, classe e tantos outros marcadores que de forma desigual constituem a vida de estudantes. Por fim, aponta a importância de educação e alfabetização antirracista na formação para as relações étnico-raciais com vistas a contribuir para o processo de escolarização de todos(as) os(as) estudantes.