Estratégias validadas para rastreio de transtornos alimentares em adolescentes e adultos usuários da atenção primária à saúde: uma revisão de escopo.
Transtornos Alimentares; Atenção Primária à Saúde; Instrumento; Questionário; Rastreio; Adolescente; Adulto.
Introdução: Os transtornos alimentares são condições psiquiátricas graves, complexas e frequentemente crônicas, afetando cerca de 55,5 milhões de pessoas no mundo. Sua detecção precoce é essencial para evitar complicações, reduzir a mortalidade e mitigar o impacto sobre os sistemas de saúde. Nesse contexto, a atenção primária à saúde ocupa uma posição estratégica como porta de entrada do sistema, favorecendo o rastreio e o encaminhamento oportuno de indivíduos com sinais sugestivos de transtornos alimentares. Objetivo: Investigar a extensão das evidências disponíveis sobre estratégias validadas para o rastreio de transtornos alimentares em adolescentes e adultos atendidos na atenção primária. Método: Trata-se de uma revisão de escopo conduzida conforme as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews, com protocolo registrado na plataforma Open Science Framework. A busca foi realizada em outubro de 2024 nas bases de dados MEDLINE/PubMed, Embase, LILACS, CINAHL, Web of Science e PsycINFO. A literatura cinzenta foi consultada na ProQuest Dissertations & Theses Global e Google Scholar. Pesquisa manual na lista de referências dos estudos incluídos e consulta a especialistas da área foram realizadas. Não houve restrição quanto ao ano ou país de publicação. Foram incluídos estudos que abordaram estratégias de rastreio de transtornos alimentares na atenção primária à saúde e em ambientes generalizáveis, com amostras compostas por adolescentes e adultos, além de investigações que incluíram profissionais de saúde. A seleção e extração dos dados foram realizadas por pares de revisores de forma independente. Os resultados foram organizados narrativamente, com apoio de tabelas, quadros e figuras. Os resultados quantitativos foram descritos por valores absolutos e frequências, enquanto os dados qualitativos foram analisados com base na categorização temática. Resultados: Dos 2977 registros inicialmente identificados, 159 publicações foram selecionadas para leitura na integra após triagem de títulos e resumos. Ao final, 77 estudos atenderam aos critérios de elegibilidade, dos quais 56 eram empíricos e 21 não empíricos. A maioria dos estudos foi realizada na América do Norte (50%), com predomínio de desenho de corte transversal (n=27), publicados entre 1989 e 2024. As amostras eram majoritariamente compostas por adolescentes e adultos do sexo feminino. Foram identificados 11 instrumentos validados e autoaplicáveis para rastreio de transtornos alimentares, com destaque para os instrumentos Sick, Control, One, Fat, Food (SCOFF) e Eating Disorder Examination-Questionnaire (EDE-Q). A maioria dos estudos mostraram que instrumentos são frequentemente preenchidos antes da consulta, com tempos de aplicação variando entre 30 segundos e 15 minutos. A principal abordagem metodológica envolveu a aplicação do rastreio após o treinamento prévio dos profissionais de saúde. As propriedades psicométricas mais avaliadas foram validade e confiabilidade. Esta revisão revelou também uma escassez de estudos que avaliem as propriedades psicométricas dos instrumentos de rastreio no contexto da APS, especialmente em populações em situação de vulnerabilidade, como adolescentes, população negra, LGTPQIA+ e de classe baixa. A viabilidade das estratégias foi analisada com base na capacidade de identificação de indivíduos com sinais sugestivos de transtornos alimentares, na atuação das equipes de saúde e nas percepções, experiências e conhecimentos dos profissionais envolvidos. As principais barreiras identificadas incluíram tempo insuficiente, conhecimento limitado sobre o tema e dificuldades no fluxo de encaminhamento. Em contrapartida, o uso de instrumentos de rastreio foi identificado como o principal facilitador para a implementação das estratégias. Conclusões: Os estudos analisados indicam que há instrumentos validados e estratégias viáveis para o rastreio de transtornos alimentares na atenção primária, com destaque para ferramentas autoaplicáveis como o SCOFF e o EDE-Q. No entanto, persistem barreiras estruturais e formativas que limitam sua efetividade, especialmente em populações vulneráveis. Os achados desta revisão reforçam a necessidade de mais pesquisas voltadas à validação de instrumentos na APS e à inclusão de grupos sub-representados, visando qualificar o cuidado em saúde mental e nutrição nesse nível de atenção.