A GOVERNANÇA DOS COMUNS EM ORGANIZAÇÕES DE SEMENTES
Comuns naturais. Organizações de sementes. Antropologia organizacional. Memória biocultural. Patrimônio genético vegetal. Diversidade biológica.
Essa pesquisa está centrada nas organizações de sementes e suas possibilidades de governança dos comuns no âmbito da sociedade civil. As formas de organização de sementes são variadas e abrangem bancos de sementes, unidades de beneficiamento de sementes, comunidades com unidades familiares de guardiãs e guardiões de sementes, associações, cooperativas e bancos de germoplasma estatais. O marco teórico deste estudo é a teoria dos comuns e para compreendê-la, foi necessário explorar perspectivas que corroboram ou se contrapõem à “tragédia dos comuns”, conceito introduzido pelo ecologista estadunidense Hardin, em 1968, responsável por inaugurar o debate sobre os comuns. Como lente de análise para a pesquisa, foram consideradas as contribuições de Olson (2002), Ostrom (1990), Ricoveri (2012), Shiva (1997), Dardot e Laval (2017) e Federici (2022), que examinam a questão a partir de diferentes fundamentos teóricos. Para compreender mais sobre o contexto das sementes, patrimônio da humanidade e ativo estratégico nacional, o aporte teórico sobre memória biocultural dos mexicanos Toledo e Barrera-Bassols foi fundamental para traçar o quadro do conhecimento tradicional advindo das populações indígenas, quilombolas, comunidades e agricultores tradicionais associados historicamente ao uso e manejo do patrimônio genético vegetal. O objetivo principal foi compreender como tem sido realizado e quais os principais desafios das organizações de sementes brasileiras no âmbito da governança dos comuns. Os objetivos específicos envolveram a análise dos movimentos legislativos brasileiros sobre os avanços e limites dos direitos de propriedade intelectual sobre o patrimônio genético vegetal e o estudo e comparação da organização estatal e das organizações comunitárias de sementes. A investigação possui natureza exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa. Inicialmente, abrange o percurso histórico e legislativo, tanto internacional quanto brasileiro, relacionado à gestão do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. Esse contexto é contrastado com questões como biopirataria, bioprospecção, biotecnologia, a identificação da origem das populações detentoras de cada conhecimento tradicional e as possibilidades de repartição de benefícios. Na pesquisa empírica, fundamentada em um estudo de caso comparativo, buscou-se compreender as experiências de gestão dos comuns em organizações de sementes criadas com diferentes finalidades. Para isso, foram realizadas entrevistas e observações em mídias digitais. Os resultados permitiram a construção de uma tipologia de organizações de sementes, categorizadas com base em suas finalidades, que incluem: comercialização, sustentação da vida comunitária, restauração ecológica e exploração de propriedade intelectual. Essa tipologia complementa a literatura existente sobre o tema. Situando essas experiências no campo da antropologia organizacional, verificou-se que as práticas comunitárias de gestão das sementes apresentam formas consistentes de governança dos comuns, que perduram por décadas ou até séculos, adaptando-se a diferentes finalidades. Observou-se, em diversas regiões do país, a existência de associações vinculadas a movimentos sociais ligados à agricultura, bem como práticas fundamentadas nas ancestralidades dos povos e comunidades tradicionais. Esse estudo pode subsidiar a formulação de políticas públicas e representa uma contribuição relevante para uma agenda de
pesquisa em ascensão, dada a emergência do tema no atual contexto das mudanças climáticas.