Do barro a palavra: a transmissão oral do conhecimento dos solos pelos povos africanos em diáspora
Ìtán, Geografia, Diáspora Africana, Pedologia, Candomblé
Ao longo de centenas de anos os povos africanos têm sofrido um apagamento de seus saberes que são majoritariamente transmitidos oralmente, através de estratégias racistas e epistemicidas que os impedem de terem reconhecimento científico sobre seus feitos. Uma forma que estes povos encontraram para transmitir seus conhecimentos foi através dos Ìtán, mitologias africanas pertencentes à cultura imaterial das religiões de matriz africana. Diante disso, investigamos a transmissão oral dos conhecimentos pedológicos dos povos africanos escravizados e sua manutenção na cultura afro-brasileira, através dos Ìtán, com destaque para os utilizados no Candomblé da Bahia. Para tanto, buscamos compilações de ìtans e analisamos o conteúdo destes. Partimos de uma abordagem geográfica decolonial, verificando a presença de conhecimento dos solos e de técnicas de uso e manejo incorporadas nas narrativas míticas africanas. Passamos por um levantamento sobre o conhecimento africano de seu ambiente, com destaque aos solos tropicais, buscando identificar como este teria contribuído para a transformação e entendimento da paisagem americana a partir da diáspora. Selecionamos dois ìtan para aprofundamento: um sobre Nanã e a criação da humanidade, e outro de Ogum sobre instrumentos agrícolas. A partir destes, buscamos identificar a existência de uma cosmopercepção pedológica. Os resultados apontam que os povos africanos sequestrados para as Américas já possuíam um profundo conhecimento sobre solos tropicais, incluindo práticas de conservação, manejo e fertilização. Esse saber foi preservado na oralidade e na prática cultural das religiões de matriz africana, consolidando uma continuidade epistemológica que resiste à colonialidade do saber, tendo influenciado na transformação da paisagem das Américas. O reconhecimento das contribuições científicas afro-diaspóricas na produção do espaço geográfico, fortalece a necessidade de inserir a geografia no debate sobre raça, território e cultura. Além disso, reforça a importância da oralidade e sua validação como instrumento de transmissão do conhecimento e ressignificação da ciência geográfica a partir de perspectivas afrocêntricas e pluriversais.