Por trás da lona preta: Necropolítica e Deslizamentos em Salvador, Bahia
Mudanças Climáticas, Movimentos de massa, Políticas Estatais, Racismo Ambiental, Estado Neoliberal.
Movimentos de massa são processos naturais que ocorrem nas vertentes e se tornam riscos quando afetam populações humanas. O município de Salvador apresenta o maior número destes eventos entre as cidades brasileiras, e estão concentrados principalmente em áreas habitadas por população pobre, negra e com famílias chefiadas por mulheres, cuja renda provém, em sua maioria, de atividades informais. No entanto, em resposta, por um longo tempo, a principal medida dos órgãos públicos foi a instalação de lonas nas encostas. Nosso objetivo foi analisar o papel do Estado em relação aos recorrentes deslizamentos em Salvador. Para tanto, investigamos como o Estado entende a dimensão do risco através de seus documentos oficiais, e a relação entre racismo, processo de vulnerabilização da população e os eventos de deslizamentos ocorridos ao longo do tempo em Salvador. Além disso, analisamos as causas dos deslizamentos e desabamentos em Salvador no período de 2000 a 2015, correlacionando-os à precipitação pluviométrica, e também as ações e omissões do poder público (legislativo, executivo e judiciário) documentadas em relação à temática de deslizamentos em Salvador. Adotamos a perspectiva da Geografia Física Crítica, e focamos na análise dos documentos institucionais, como: Plano Diretor de Encostas, Propostas e ações presentes no legislativo municipal entre os anos de 2011 e 2021 (a partir do Diário Oficial) e recomendações da Promotoria Estadual de Justiça no processo de nº 003.9.23974/2021. Como resultado, verificamos que as principais causas de eventos de deslizamentos e desabamentos no município estão relacionadas a problemas de infraestrutura e demandam estratégias e planejamentos mais amplos. Identificamos que as ações adotadas são majoritariamente emergenciais e frequentemente atravessadas por interesses políticos que desrespeitam o Plano Diretor de Encostas, as recomendações de especialistas e as determinações da Justiça. Constatamos ainda que as mudanças ocorridas nos últimos anos decorrem da mobilização da população, dos avanços nas políticas nacionais e da atuação da promotoria de justiça. Assim, concluímos que os deslizamentos em Salvador não são eventos “naturais” nem politicamente neutros, mas expressão de uma Necropolítica que mantém a população vulnerável e submetida ao processo de vulnerabilização, perpetuando os riscos, traumas, perdas materiais e de vidas humanas. Tal política reflete um estado neoliberal colonial que prioriza interesses mercadológicos enquanto negligencia sua população, sobretudo a fração negra e pobre.