Subjetividade, Verdade e Literatura: Crise da definição dualista de Ser Humano e sua ressonância em A Paixão Segundo G. H., de Clarice Lispector
dualismo cartesiano; linguagem; narrativa; sujeito; identidade pessoal; literatura; estética.
Este trabalho consiste em buscar formas de se compreender o conceito de humano a partir de bases não científicas. A herança cartesiana do modelo mental abriu caminho para a cientificização da maneira de se conhecer o humano. A modernidade e o avanço da tecnologia reforçam a herança cartesiana e sua explicação dualista, na qual o corpo e seu movimento são explicados de forma desencantada, como meros mecanismos. O mundo mental também se tornou objeto da explicação científica, buscando-se explicá-lo através de regularidades e leis causais. No entanto, esta condição gera situações paradoxais insuportáveis para a consciência humana. Assim, é possível pensar formas de verdade humana calcadas na inteligibilidade, na intuição e na expressão, e não na formulação de sentenças fidedignas aos protocolos científicos de conhecimento. Para isso, é preciso compreender a dimensão expressiva da linguagem. A forma como atribuímos sentido às diversas situações cotidianas está ancorada na convenção das práticas culturais. A narrativa é compreendida dentro do espectro do ato de fala expressivo. O narrador é a fonte do significado numa narrativa. O sentido da narrativa não se dá pelo encadeamento lógico-causal dos eventos, e sim por sua habilidade em expressar emoções. A verdade e o sentido, portanto, são necessariamente expressados por um sujeito imbuído de experiências e de emoções. Esta verdade é apropriada e legítima, não se contrapondo à objetividade. Portanto, a forma como o ser humano atribui sentido às suas vivências não é cientifica nem racional. Atribuímos sentidos através da intuição e da sintonização com práticas culturais. A literatura, assim, pode ser entendida como uma prática cultural através da qual atribuímos sentido às experiências. A literatura alcança universalidade uma vez que está ancorada numa gramática de valores compartilhados pela cultura. Assim, o texto literário expressa mais do que uma realidade individual, encontrando ressonância entre os pares da autora ou autor. É possível ver na arte moderna diversas manifestações da condição insuportável a que as explicações dualistas e científicas têm levado o humano. A Paixão Segundo G. H., romance de Clarice Lispector, é lido neste contexto. A oposição humano-natureza ganha contornos paradoxais em sua obra. Tentamos compreender melhor esses contornos paradoxais, em diálogo com filósofos como Wittgenstein, Peter Hacker, Richard Eldridge, Peter Goldie e Charles Altieri.