“Da África para o Mundo”: os dilemas da produção e da difusão dos cinemas africanos para audiências globais a partir da entrada da Netflix na Nigéria.
Cinemas africanos, Colonialidade, Netflix, Nigéria, Nollywood
Esta tese tem como objetivo compreender de que forma a entrada da Netflix como agente de difusão de conteúdos audiovisuais mobiliza os cinemas africanos no que tange à própria ideia de “cinemas da África” para “audiências globais”, a partir da associação da empresa com Nollywood – como é conhecida a indústria audiovisual da Nigéria. Para tanto, sigo as orientações teórico-metodológicas de Pierre Bourdieu (1996) e sua noção de campo como um espaço social onde disputas são travadas para obter reconhecimento e ocupar espaços dominantes, no intuito de contextualizar Nollywood e seus principais agentes em disputa nos âmbitos da produção e da difusão de filmes no país. Ao situar a Netflix como um novo agente de impacto nesse cenário, identifico sua posição em um campo de poder sobre a Nova Nollywood e defendo que a empresa constrói uma curadoria (LOTZ, 2017) de “conteúdo africano” para públicos globais a partir de uma coleção de filmes (SOUTO, 2020) licenciados como “originais”. Analiso, portanto, a atuação da Netflix enquanto um serviço multinacional (LOTZ, 2021) para compreender como o portal empreende um projeto global sobre histórias locais (MIGNOLO, 2020), exercendo, em última instância, a colonialidade do poder (MALDONADO-TORRES, 2018; MIGNOLO, 2020; QUIJANO, 2000). Por fim, observo como essas disputas se refletem nas narrativas e nos estilos dos três primeiros filmes nigerianos licenciados como originais pela Netflix: Lionheart (dirigido por Genevieve Nnaji, 2018), Por Uma Vida Melhor (de Kenneth Gyang, 2019) e A Lição de Moremi (de Kunle Afolayan, 2020), com especial atenção ao lugar ocupado pelos agentes nigerianos envolvidos na produção dessas obras e suas relações com a Netflix enquanto nova agente de difusão. A análise dos três filmes revela o tipo de narrativas africanas ao qual a Netflix busca se associar (filmes de narrativa clássica, majoritariamente falados em inglês e dotados de tramas que giram em torno de mulheres africanas contemporâneas em situação de vulnerabilidade), indicando o gesto curatorial da empresa sobre a África e reiterando estereótipos ocidentais sobre o continente e seu lugar de poder e de controle sobre as imagens de África para audiências globais. Com o suporte teórico de Achille Mbembe (2019), Felwine Sarr (2019) e Valentin-Yves Mudimbe (2019), discuto a controvérsia em torno da construção de imagens da África a partir de abordagens ocidentais, o que ajuda a esclarecer a colonialidade que opera nas relações entre África e Netflix. O caminho de pesquisa revela como o projeto global da empresa sobre o cinema nigeriano acaba por aproximar este da lógica dos outros países africanos, cuja dependência dos países da Europa impede que o campo dos cinemas africanos tenha autonomia. Essa homologia revela, portanto, que a Netflix reitera a relação de poder econômico entre o Ocidente e a África, ao mesmo tempo em que destitui a Nova Nollywood do seu lugar de autonomia e dissidência.