(IN) SEGURANÇA ALIMENTAR DOMICILIAR SOB A PERSPECTIVA DA INTERSECCIONALIDADE DE RAÇA E GÊNERO EM UMA CAPITAL DO NORDESTE BRASILEIRA
Insegurança Alimentar. Racismo. Sexismo. Interseccionalidade
A segurança alimentar tem sido estudada em uma perspectiva multidimensional, o que reflete a complexidade do conceito ao considerar diferentes dimensões. No entanto, são poucas as análises, que ao identificar que a população negra e as mulheres são mais suscetíveis à insegurança alimentar, tem considerado a articulação de determinantes sistêmicos, como o racismo e o sexismo. Uma das formas de avançar nesse sentido é utilizar a abordagem da interseccionalidade na análise da insegurança alimentar para compreender melhor as situações diferenciadas desses grupos e ampliar o olhar sobre sua rede de determinação. O objetivo deste trabalho foi analisar a (in)segurança alimentar domiciliar, sob a perspectiva da interseccionalidade de raça e gênero, na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Trata-se de uma análise com os dados do estudo transversal e de base populacional intitulado Qualidade do Ambiente Urbano de Salvador, realizado entre os anos 2018 e 2020. A amostra foi definida pela aleatoriedade sistemática sem reposição de domicílios em 160 bairros, com base no sistema de informação do serviço de saneamento básico, que cobre 98% da capital e contém o cadastro georreferenciado das ligações e economias de água ativas e inativas. Para a presente análise foram utilizados 14.713 domicílios. A variável desfecho foi a situação de (in)segurança alimentar, classificada em leve e moderada ou grave, coletada a partir da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar que foi aplicada junto ao questionário da pesquisa maior que continha 62 questões. A variável de exposição principal foi o cruzamento das variáveis raça e sexo: homem branco, mulher branca, homem negro e mulher negra. Foram realizados modelos de regressão logística multinominal para estimar a associação entre a exposição principal e o desfecho, ajustada por variáveis socioeconômicas e estratificadas segundo escolaridade e renda familiar per capita. Os domicílios tinham como responsáveis, em maioria, mulheres negras (50,1%), seguida por homens negros (35,4%), mulheres brancas (8,3%) e homens brancos (6,2%). A prevalência de segurança alimentar foi maior nos domicílios chefiados por homem branco (74,5%), seguida de mulher branca (69,5%), homem negro (62,2%) e mulher negra (53,2%). Domicílios chefiados por mulheres negras apresentaram maiores chances para insegurança alimentar leve (OR=1,39; IC95% 1,15-1,68; p=0,001) e moderada ou grave (OR= 1,94; IC95%1,49-2,52; p<0,001) em relação aos homens brancos. Esses domicílios apresentaram maiores chances de ter insegurança alimentar moderada ou grave em todos os níveis de escolaridade e nas faixas de até ½ salário mínimo e >1 salário mínimo. Quando o responsável foi homem negro, as maiores razões de chance para essa condição se apresentaram na faixa > 1 salário mínimo. Domicílios com responsável mulher negra foram os que apresentaram maiores chances de estar em insegurança alimentar, mesmo em condições socioeconomicamente favoráveis. Devido as desvantagens sociais e a persistência de práticas discriminatórias vivenciadas pela população negra avanços relacionados às questões de educação e renda não são universais. A situação das mulheres negras é ainda mais dramática e a insegurança alimentar nos domicílios chefiados por esse grupo revela-se como uma das consequências da interação estrutural do racismo e do sexismo