Análise política da saúde no MST: problemas, práticas e projeto.
Saúde Rural; Sistema Único de Saúde; Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra.
O presente trabalho tem por objetivo analisar os problemas e as ações/práticas de saúde produzidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, bem como identificar a concepção de Saúde e o projeto sociopolítico que orienta as ações do Movimento. A produção de dados foi realizada através da análise documental, utilizando como fontes de informação o Programa de Reforma Agrária Popular do MST, os cadernos produzidos pelo Setor de Saúde do MST e 326 exemplares do Boletim e Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, produzidos no período 1981 a 2014, e publicados na Hemeroteca Luta pela Terra, no site <www.mst.org.br>. Os dados sobre os problemas de saúde revelam a permanência das doenças em decorrência da pobreza estrutural e da insegurança alimentar (diarreia, desnutrição e infecto parasitárias), mas incorpora posteriormente as doenças causadas pela expansão do agronegócio no campo brasileiro, casos de intoxicação por agrotóxicos e doenças pulmonares causados pelas carvoarias. Quanto aos problemas de acesso ao sistema oficial de saúde, a ausência/insuficiência de serviços de saúde aparece como a primeira e principal barreira de acesso em todos os períodos analisados, entretanto, o vazio assistencial está mais presente no primeiro período e nos territórios dos acampamentos, enquanto a insuficiência e a precarização dos serviços de saúde são mais relatadas nos espaços dos assentamentos. Os resultados revelam que o MST vem realizando historicamente um conjunto de ações de cuidado, prevenção e promoção à saúde em seus territórios, em parceria com diversas organizações, como Universidades, Ministério da Saúde e Fiocruz. Chama atenção a estratégia de formação técnica e superior de seus militantes na área da saúde, que cumprem papel fundamental de cuidado às populações vinculadas ao MST, mas também estão inseridos no SUS, assumindo compromisso político de cuidado à classe trabalhadora nas regiões urbanas e periféricas do país. Estas ações estão orientadas por uma concepção radical e ampliada de saúde e na defesa do SUS integral, público e universal. Para o MST, os problemas de saúde diretamente observáveis nos corpos das populações assentadas e acampadas expressam a dinâmica e as formas de viver e trabalhar no campo brasileiro, bem como suas relações e determinantes estruturais, ou seja, a Saúde Real só pode ser compreendida a partir das relações de dominação de classe, raça e gênero que determinam a distribuição desigual da riqueza, dos bens que a promovem, bem como das agressões e processos destrutivos que a deterioram. O movimento rompe com a lógica medicalizante e funcionalista e articula um conjunto de ações e instituições voltadas para emancipação, que operam na ordem do singular dos indivíduos e suas famílias, no particular das classes e do geral da sociedade orientada para reprodução do capital. A pesquisa revela que o projeto do MST no campo da saúde constitui parte do Projeto de Reforma Agrária Popular e bastante convergente com o pensamento da epidemiologia crítica. Para o Movimento não é possível construir uma sociedade para vida sem uma economia dirigida para reprodução da vida, portanto sustentável. Uma economia, uma identidade e cultura soberanas, não subordinada e colonizada pelos interesses de organismos internacionais e países de capitalismo central. Uma política de vida solidária e integral e formas seguras de metabolismo sociedade natureza. Assim, a luta pela Saúde está organicamente vinculada à luta pela Terra e pelo Projeto de Reforma Agrária Popular, contra o latifúndio e suas corporações, contra a doença e a barbárie, em defesa da vida e da soberania dos povos.