AVALIAÇÃO DO EFEITO DE INTERVENÇÕES DE PROTEÇÃO SOCIAL E DE SAÚDE NA MORTALIDADE MATERNA ENTRE AS MULHERES DE BAIXA RENDA DO BRASIL
Intervenção Social. Intervenções em saúde. Política social. Programa de transferência condicionada de renda. Programa Bolsa Família. Cesariana. Mortalidade materna
Introdução: Embora esforços tenham sido feitos nos últimos 20 anos, a mortalidade materna ainda se configura como um importante problema de saúde pública. Extremos de atenção à saúde coexistem com a persistência de desigualdades no acesso a atenção ao parto pelas populações mais vulneráveis, em conjunto com a excessiva medicalização da atenção ao parto e nascimento, além do aumento de cesarianas e intervenções invasivas. Quando necessária, a cesariana pode salvar a vida da mãe e do recém-nascido, mas estudos têm mostrado que esta via de parto também pode expor as mulheres a um risco aumentado de morbidade e mortalidade. O combate à pobreza, o fomento a práticas de educação em saúde e o investimento em serviços de qualidade são ações consideradas prioritárias para a redução do óbito materno. O Programa Bolsa Família (PBF), um programa de transferência de renda condicionada (PTCR), vem impactando na melhoria dos determinantes sociais e na ampliação do acesso à saúde da população brasileira. Há referências na literatura sobre impactos positivos de PTCR na saúde materna e em seus determinantes, mas o efeito do PBF sobre a mortalidade materna ainda não foi investigado no Brasil. Objetivo geral: Avaliar o efeito de intervenções em saúde e de proteção social na mortalidade materna entre as mulheres de baixa renda do Brasil. Objetivos específicos: i) Avaliar a associação a médio e longo prazo entre a cobertura do Programa Bolsa Família e a Razão de mortalidade materna nos municípios brasileiros; ii) Avaliar o impacto do Programa Bolsa Família na mortalidade materna, na coorte de 100 milhões de Brasileiros; iii) Investigar a associação entre cesariana e mortalidade materna de acordo com a Classificação de Robson, na população de mulheres pobres e extremamente pobres do Brasil. Métodos: A tese foi apresentada em 3 artigos segundo cada objetivo específico. Para execução do primeiro objetivo foi realizado um estudo ecológico misto, com informações de 2.548 municípios brasileiros com estatísticas vitais de qualidade durante o período de 2004-14. A cobertura do PBF foi classificada em quatro níveis, variando de baixa cobertura para consolidada e a duração do programa foi mensurada usando a cobertura média dos anos anteriores. Para a análise dos dados foram utilizados modelos de regressão binomial com efeitos fixos, ajustados por variáveis socioeconômcas, demográficas e de atenção a saúde. No segundo objetivo, foi conduzido um estudo longitudinal de base populacional com mulheres em idade reprodutiva (10-49 anos) que tiveram pelo menos um filho nascido vivo, utilizando dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e bancos de dados administrativos vinculados à Coorte de 100 Milhões de Brasileiros, para o período de 2004 a 2015. Para as análises estatísticas foram utilizados o método de ponderação por escores de propensão (Kernel Weighted Logistic Regression) para o controle do viés de seleção inerente a participação no PBF e dos fatores de confusão na associação entre o recebimento do PBF e a mortalidade materna, além de realizadas análises por diferentes subgrupos. Foi também analisado o efeito do recebimento do PBF ao longo do tempo; e no terceiro objetivo, foi conduzido um estudo de coorte de base populacional, partindo da Coorte de 100 milhões de Brasileiros, SIM e SINASC no período de 2011 a 2015. Mulheres em idade reprodutiva, com pelo menos um filho nascido vivo, foram classificadas em um dos dez grupos de Robson com base nas características da gravidez e do parto. Usamos escores de propensão para parear as mulheres que tiveram cesarianas com partos vaginais (1: 1). Para estimar a associação do parto cesárea com o óbito materno foi utilizada a regressão de Cox. As mesmas análises foram repetidas utilizando como desfecho principal, os óbitos maternos mais relacionados à cesariana, e excluindo causas de óbitos que sugerem morbidades pré-natais. Resultados referentes ao primeiro objetivo: O PBF foi significativamente associado a reduções da mortalidade materna proporcionalmente aos seus níveis de cobertura e anos de implementação, atingindo razões de risco de 0,88 (IC 95%: 0,81-0,95), 0,84 (0,75-0,96) e 0,83 (0,71- 0,99) para cobertura intermediária, alta e consolidada do PBF. O efeito da duração do PBF foi mais forte nas taxas de mulheres mais jovens (<30 anos) (RR 0,77; IC 95%: 0,67-0,96). O PBF também foi associado ao aumento da proporção de partos em estabelecimentos de saúde (RR 1,05; IC 95%: 1,04-1,07) e a reduções na proporção de gestantes sem nenhuma consulta pré-natal (RR 0,73; IC 95%: 0,69-0,77) e na taxa de letalidade hospitalar após o parto (RR 0,78; IC 95%: 0,66-0,94). Resultados referentes ao segundo objetivo: Foram incluídas 6.677.273 mulheres com idades entre 10 e 49 anos, 4.056 das quais morreram por causas maternas. As beneficiárias do PBF tiveram uma chance 18% menor de morte materna (ORaj: 0,82, IC 95% = 0,73-0,96) quando comparadas às não beneficiárias. O aumento da exposição ao PBF ao longo do tempo (1 a 4, 5-9 ou ≥9 anos) foi associado a uma maior redução de mortes maternas (ORaj: 0,85; IC 95%: 0,75-0,97; OR: 0,70; IC 95%: 0,60-0,82, OR: 0,69 IC 95%: 0,53-0,88, respectivamente). O PBF também levou a aumentos substanciais nas consultas pré-natais e intervalos entre partos e apresentou maior efeito sobre os grupos mais vulneráveis. Resultados referentes ao terceiro objetivo: A população da coorte contou com 5. 239.086 mulheres de 10 a 49 anos que tiveram filhos nascidos vivos. Após o pareamento do escore de propensão, a cesariana foi associada a um risco crescente de mortalidade materna, mesmo em grupos em que são esperadas menores taxas e necessidades de cesárea: Geral (HR = 1,95 IC95% 1,77-2,15); Robson 1-4 (HR = 1,99 IC95% 1,63-2,43), Robson 6-10 (HR = 2,69 IC95% 2,29-3,16). Não houve diferença estatisticamente significativa no risco de mortalidade após cesariana repetida (Grupo 5) (HR = 1,02 IC95% 0,74-1,42). O risco de mortalidade foi marcadamente menor excluindo causas atribuídas a morbidades pré-natais e substancialmente maior para morte por tromboembolismo, uma das causas específicas relacionadas à cesariana, o que reforça o controle para vieses de indicação e sugere o risco independente dessa forma de parto para mortalidade materna. Conclusões: Os resultados deste estudo mostraram que o PBF teve um papel na redução da mortalidade materna, tanto a nível de cobertura municipal, quanto entre as mulheres brasileiras mais pobres, tendo essas associações permanecido fortes mesmo após o ajuste para características de cuidados de saúde, gravidez e parto. Aumentando o tempo de exposição, maior o efeito do PBF, sugerindo que a sustentabilidade de ações de proteção social pode ter efeito ao longo da vida das beneficiárias. O PBF também levou a aumentos substanciais nas consultas pré-natais e no intervalo entre nascimentos, apresentando maior contribuição em grupos de mulheres mais vulneráveis. Esses achados destacam o possível efeito a longo prazo dos PTCR e seu valor potencial para a redução da mortalidade materna. Em relação à avaliação da cesariana, o presente estudo sugere que o uso excessivo de cesariana pode ser um fator de risco para mortalidade materna em comparação ao parto vaginal. A mortalidade materna permanece alta em países de baixa renda e a via de parto é um dos principais fatores de risco modificáveis de morte materna, entre as várias iniciativas globais destinadas a reduzi-la. Nossos resultados reforçam a importância de um melhor monitoramento e gerenciamento de cesáreas, otimizando intervenções e aumentando a alocação de recursos para as mulheres mais necessitadas. Além disso, políticas sociais devem ser aprimoradas e estendidas ao maior número possível de famílias em situação de pobreza, pois o desenvolvimento social é uma prioridade fundamental para reduzir a mortalidade materna entre as mulheres de baixa renda.