BIORREFINARIA DE MICROALGAS E VALORAÇÃO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS: UM MODELO POTENCIAL DE BIOECONOMIA CIRCULAR PARA O BRASIL
Biorrefinaria; microalgas; efluentes; bioprodutos; tecnologias; nova indústria Brasil.
Nos últimos anos, a demanda humana por recursos naturais tem superado a capacidade regenerativa do planeta, exigindo uma mudança no modelo econômico linear de "extrair, produzir, descartar". Nesse contexto, a biorrefinaria de microalgas associada ao tratamento de efluentes (BBMTE) emerge como um modelo promissor de bioeconomia circular, alinhando-se às principais agendas globais de sustentabilidade e com grande potencial para integrar o recente programa de neoindustrialização no Brasil. Embora as microalgas tenham se destacado nos últimos anos como uma solução tecnológica para o tratamento de efluentes industriais, ainda há uma carência de estudos focados no aproveitamento simultâneo dos bioprodutos sintetizados intra e extracelularmente. Este estudo visa oferecer uma perspectiva integral e inovadora sobre a biomassa, os produtos de alto valor agregado extracelular e os benefícios ambientais da BBMTE em relação à água produzida (AP), à manipueira (MP) e ao soro de leite (SL). Para alcançar esse objetivo, a tese está estruturada em cinco pilares metodológicos: (i) prospecção tecnológica e mercadológica mundial neste campo de pesquisa; (ii) caracterização dos efluentes e aclimatação da Chlorella vulgaris aos mesmos; (iii) estudo da influência do pré-tratamento e suplementação da AP nos bioprodutos microalgais intra e extracelulares; (iv) otimização dos cultivos de microalgas para a produção individual e simultânea de biomassa e substâncias poliméricas extracelulares (EPS); (v) cultivos em escala piloto contendo SL e análise do consórcio microalgas-bactérias na produção de EPS e no potencial reológico destes biopolímeros. O panorama mercadológico global, apoiado na curva S tecnológica, mostra que a BBMET é uma área em ascensão desde 2011. A partir da análise do estado da arte, identificou-se cinco barreiras para o cultivo de microalgas em AP, mas que foram atenuadas com algum tipo de pré-tratamento e/ou suplementação. Do ponto de vista cinético, o pré-tratamento com carvão ativado (CA) apenas funcionou quando acompanhado da suplementação de MP, resultando em uma produtividade máxima de biomassa. Além disso, os biodieseis produzidos se enquadraram nas normas nacionais e internacionais. A avaliação morfológica do meio extracelular revelou a presença de micropartículas queladas em uma matriz polimérica, formando um biocompósito (EPS-micropartículas) com potencial aplicação de aditivo viscosificante para a indústria do petróleo. O pré-tratamento com CA aumentou a estabilidade térmica da biomassa e promoveu, junto com a suplementação, uma maior síntese desses biocompósitos com melhores propriedades reológicas, alcançando uma produção de 1,16 g L-1 e uma distribuição média de tamanho de 0,7 μm. A análise de desejabilidade global indicou que a combinação de 10% de MP, 38% de AP e 170 rpm de agitação maximizou simultaneamente as produções de EPS e biomassa, com previsões de 1,89 e 1,45 g L⁻¹, respectivamente, alcançando uma desejabilidade de 89%. Notavelmente, a mistura de efluentes (AP e MP) propiciou os maiores valores de EPS reportados na literatura para Chlorella vulgaris, demonstrando-se como uma estratégia inovadora para a maximização deste biopolímero. A espectroscopia com transformada de Fourier (FTIR), a técnica de ressonância magnética (RMN) de difusão e o estudo reológico revelaram que os biopolímeros sintetizados na escala piloto com o SL apresentaram características químicas e reológicas comparáveis à goma xantana comercial, com tamanhos moleculares entre 284 e 324 kDa. A presença de um consórcio microalgas-bactérias resultou em maior produção de EPS e melhores propriedades reológicas em relação ao controle, representando um avanço significativo no campo de valorização de resíduos por microalgas. Por fim, este estudo demonstra que a BBMTE contribui para a sustentabilidade ambiental e oferece uma abordagem técnica viável para a produção de bioprodutos de alto valor agregado, reutilizáveis nas próprias indústrias fornecedoras de efluentes ou em outros segmentos de mercado, dentro de uma perspectiva circular. O Brasil, com sua intrínseca vocação para biorrefinarias, pode incorporar a BBMTE como uma tecnologia dentro da proposta da Nova Indústria Brasil, aproveitando-se do contexto geopolítico demandante de novas soluções verdes. Essa tecnologia transforma a gestão de efluentes industriais, convertendo resíduos em recursos valiosos, aderindo-se à nova agenda de sustentabilidade global.