O Papel dos Valores na Aceitação e Proposta de Teorias e Modelos nas Ciências Biológicas – Uma Contribuição Desde a Epistemologia
Valores Epistêmicos, Valores Não-Epistêmicos, Hugh Lacey, Epistemologia das Virtudes, Reflexão, Entendimento, Prática Científica.
As Ciências Biológicas apresentaram um aumento da sua
importância nas últimas décadas, principalmente devido a um maior número de
fenômenos que essa área se propõe a estudar e ao aumento de práticas onde os
conhecimentos biológicos são necessários. Por causa disso, a Biologia tem enfrentado
a necessidade de compreender a prática dos biólogos, qua cientistas, principalmente
acerca da escolha de suas Teorias e Modelos. Dessa maneira, há uma demanda cada
vez maior na área de que se compreenda qual papel os valores desempenham nessa
prática. Nesse debate há duas possíveis posições: a primeira defende que apenas
valores epistêmicos devem ter influência na prática das Ciências Biológicas; e a
segunda argumenta que tanto valores epistêmicos quanto não-epistêmicos tenham um
papel na prática das Ciências Biológicas. Entre o debate dessas duas posições, o
segundo consegue apresentar uma maior capacidade de explicar a prática das
Ciências Biológicas, sem ignorar as questões do Mundo da Vida, cada vez mais
pertinentes às Ciências Biológicas. Entre esses modelos podemos destacar o modelo
RVS, de Hugh Lacey, o qual defende que a prática científica pode ser entendida em
momentos distintos logicamente, e que aceitam valores diferentes, dado o objetivo de
cada momento. O modelo RVS apresenta uma capacidade de explicar uma grande
gama de fenômenos das práticas das Ciências Biológicas, e consegue superar críticas
que outros modelos não se mostram tão robustos a enfrentar. Podemos destacar entre
as respostas a essas críticas por exemplo a não confusão dos momentos de aplicação
e aceitação das Teorias ou Modelos T e como e quais valores atuam nesses
momentos distintos. Outro ponto é a capacidade de RVS conseguir articular
explicações para condutas científicas sem se resumir apenas ao uso de valores não-
epistêmicos, sem descartar a importância dos mesmos. Porém, o RVS, como os
outros modelos que buscam explicar o papel dos valores nas ciências, ao falar de
como se dá a seleção das Teorias e Modelos científicos foca apenas na expressão
dos valores epistêmicos em T. Porém essa postura não consegue ser traduzida em
critérios claros do porquê T foi selecionada, pois não é empiricamente viável comparar
a expressão dos valores em Teorias rivais, seja pela falta de um método para dizer
qual T tem o conjunto mais alto de valores ou como comparar valores diferentes com
expressão diferentes de seu grau. Para resolver esse problema propomos que se deva
analisar a questão da seleção de T pela ótica da Epistemologia das Virtudes. Assim,
defendemos que uma boa teoria ou modelo seria aquela que fosse escolhida por um
Agente Epistêmico Competente. Para tal, o Agente deve ser capaz de utilizar sua
habilidade reflexiva para acessar as razões que o levam a aceitar T, e conseguir dessa
forma articulá-las racionalmente com os valores epistêmicos de uma comunidade
epistêmica a qual ele faz parte. Dessa forma o Agente Epistêmico virtuoso ao realizar
uma performance apta estará gerando um maior entendimento sobre o fenômeno que
T aborda e indicando que ela é, comparada as outras com base nas informações que
o Agente tem acesso, a melhor Teoria ou Modelo a ser aceita. Defendemos ainda, que
esse Agente deve agir de acordo com o Princípio da Precaução Epistêmica ao avaliar
T, pois dessa maneira ele irá ser mais zeloso com os possíveis riscos epistêmicos
associados a sua performance e podendo ser um agente mais crítico e responsável
em seu processo de aceitação. Dito isso, propomos em seguida que o modelo RVS
deve ser relido a partir do foco no Agente Epistêmico Competente, possibilitando então
que o RVS supere suas críticas. Isso favorece uma nova proposta de Atitude cognitiva,
denominada Avaliação Reflexiva, onde o Agente deve ao avaliar T, fazer uso de sua
reflexão para melhor entendimento de T e articular suas razões de acordo com os
valores epistêmicos de uma comunidade epistêmica que ele faça parte, que seja
possivelmente composta de pares epistêmicos, que aceite a troca de valores, o debate
e o dissenso racional e que favoreça a publicidade de suas informações. Ao assumir a
Atitude Reflexiva o Agente é capaz então de julgar de forma responsável se aceita, se
rejeita ou se suspende o valor sobre T, a partir da avaliação do melhor entendimento
de T. Por fim concluímos que o uso dos conceitos e perspectivas da Epistemologia
para tratar dos problemas do papel dos valores na ciência se mostrou bastante útil. A
partir dessa perspective é possível defender a postura do foco da análise ocorrer
sobre o Agente e não a teoria, o que muda a percepção que devemos ter da
possibilidade da Autonomia e Imparcialidade, para uma Autonomia e Imparcialidade
Epistêmica. Ou seja, não utilizar ideais, mais usar valores epistêmicos associados ao
Agente Epistêmico virtuoso, capaz de atingir fins epistêmicos de maior valor, dado que
são mais confiáveis e dos quais o Agente pode se responsabilizar e defender
criticamente.