Conflitos sucessórios e fundiários nos Candomblés de Cachoeira: judicialização, tradição e modernidade.
Judicialização no candomblé, Conflitos sucessórios, Conflitos fundiários, Lei do Orixá, Cartografia étnica, Geodireito.
Este trabalho tem como objetivo compreender os motivos pelos quais as comunidades de terreiro têm judicializado seus litígios sucessórios e fundiários e como os atores sociais do direito têm lidado com essas demandas. O estudo explora os impactos das decisões judiciais sobre as tradições religiosas, a geoespacialidade dos terreiros e o desenvolvimento da jurisprudência, buscando articular um diálogo entre multiculturalismo, geodireito e decolonialidade. A pesquisa se concentra na cidade de Cachoeira-Bahia, especificamente no território conhecido como Terra Vermelha, comarca na qual foram analisados dois processos judiciais em andamento: o do Terreiro Asepó Eran Opé Oluwá (Viva Deus) e o do Ilê Axé Icimimó Aganju Didê. Historicamente, os conflitos sucessórios e fundiários nas comunidades de terreiro eram resolvidos por meio da Lei do Orixá, baseada na cosmovisão africana e na tradição ritual. Com a modernidade, no entanto, esses conflitos têm sido cada vez mais judicializados, o que revela uma colisão entre o sistema jurídico estatal e as práticas religiosas das comunidades de terreiro. Teoricamente, a pesquisa se fundamenta em contribuições da antropologia no conceito de drama social de Victor Turner e situação social, estrutura social e conflito de Max Gluckman, na geografia na perspectiva de território usado de Milton Santos, do Brasil Africano e cartografia étnica de Rafael Sanzio dos Anjos. No campo do direito, utilizam-se os trabalhos de Luiz Ugeda com sistema mapa-norma, e o conceito de Direito de baixo para cima de Laura Nader, enquanto a mediação de conflitos é abordada com base em William Ury e Roger Fisher. Para entender os candomblés de Cachoeira, a pesquisa se apoia nas análises de Nicolau Parés, sobretudo, no conceito de identidade étnica multidimensional . Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa qualitativa que emprega a Metodologia de Análises Decisórias (MAD), a cartografia étnica e a fotografia documental. As visitas de campo e entrevistas com lideranças religiosas dos candomblés de cachoeira, intelectuais nigerianos residentes na Bahia, juristas e membros das comunidades também são fundamentais para a coleta de dados. O estudo analisa como as decisões judiciais ignoram ou desrespeitam a Lei do Orixá, o que tem gerado impactos profundos nas tradições religiosas e na continuidade dos terreiros. Entre os resultados obtidos, destaca-se que o Judiciário muitas vezes desconhece ou desconsidera a gramática normativa da religião dos orixás, as decisões judiciais são fundamentadas sem a devida observância das tradições religiosas e há uma clara demora no tratamento dessas demandas, bem como, pouco empenho na mediação dos conflitos. Por fim, o trabalho propõe recomendações para prevenir a judicialização excessiva, incluindo a criação de Estatutos Sociais Religiosos que definam as normas de sucessão religiosa, a formulação de regimentos internos que melhorem a coordenação comunitária, a criação de cartografias participativas que promovam a preservação da geoespacialidade dos terreiros, e o manejo de instrumentos jurídicos ajustados a realidade do modus vivendi do povo de orixá. Dessa forma espera-se que este estudo contribua para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à mediação dos conflitos sucessórios e fundiários, bem como para a regularização fundiária dos terreiros.